Eclesiologista diz que o processo sinodal que o Papa Francisco lançou coloca sérias questões sobre como a autoridade é exercida na Igreja Católica.
Jean-François Chiron é um padre e teólogo católico francês que fez muitas pesquisas e publicou muitos artigos e livros sobre Eclesiologia – isto é, a natureza da Igreja. Atualmente é professor da Universidade Católica de Lyon e conversou com Christophe Henning, do La Croix, sobre o processo sinodal e os desafios que apresenta na mudança das estruturas, especialmente no exercício da autoridade.
La Croix: O Papa lançou os preparativos para uma assembleia do Sínodo dos Bispos sobre sinodalidade. Qual poderia ser o impacto na organização da Igreja, em particular no exercício da autoridade, sobre o qual o documento preparatório nos convida a refletir?
Jean-François Chiron: Uma abordagem é manter os corpos como existem, fortalecendo os espaços para o debate. A outra abordagem seria tornar os conselhos verdadeiramente espaços deliberativos onde as decisões seriam tomadas por maioria de votos. A primeira opção está de acordo com a tradição católica, mas alguns fiéis podem achá-la insuficiente.
Menciona a tradição do Igreja: como define a tomada de decisão hoje em dia?
Na Igreja, a decisão resume-se a “um só”. Uma estrutura que encontramos em três níveis: o Papa na Igreja, o Bispo na diocese e o Pároco na paróquia. Se abandonássemos esta organização a um nível, teríamos que fazer o mesmo com os outros níveis também, o que seria uma verdadeira revolução. Não seria honesto dizer que ao nível paroquial, por exemplo, instituiríamos um funcionamento democrático sem modificar a organização da Igreja universal…
Podemos chegar a um tipo de funcionamento democrático?
A vida eclesial é mais da ordem de um consenso emergente. Existem objetivos e programas de ação pastoral para um determinado período de tempo que servem para implementar decisões. Surpreende-me que o Papa rejeite o termo “consenso”, porque nas nossas assembleias eclesiais o objetivo é chegar a este consenso, mesmo em assembleias políticas, é a maioria que prevalece.
Não há um paradoxo em consultar os fiéis quando, se surgissem novos modelos do Sínodo, seriam provenientes do Papa?
No espírito sinodal permanecemos num quadro de consulta profunda, combinado com aquele que tem a “última palavra”. Voltamos à organização da Igreja segundo uma trilogia: um, alguns e todos. A tradição católica valoriza o “um” – o Papa, o Bispo e o Pároco. A sinodalidade consiste em dar maior valor aos outros dois níveis, começando pelo “alguns”. Este consiste nos Bispos e Cardeais ao nível da Igreja universal; os sacerdotes, diáconos e conselhos a nível diocesano; e os conselhos e equipas pastorais ao nível paroquial. A Igreja não é uma democracia, mas os “alguns” podem ser representativos de “todos”. Aconteça o que acontecer, neste momento é “um” que tem a última palavra.
A sinodalidade perturbará esse padrão?
Um Sínodo sobre sinodalidade é sinodalidade em segundo grau. É claro que não devemos esperar grandes mudanças. Além disso, a grande maioria dos católicos não aspira necessariamente a grandes mudanças. Na verdade, mais do que estruturas, muitas vezes é uma questão de pessoas. Os católicos ficam satisfeitos quando seu Pároco ou Bispo sabe ouvi-los e, de certa forma, praticam a sinodalidade sem dizê-lo. Por outro lado, se o pároco, novo ou não assim tão novo, faz saber que é aquele que decide em virtude do poder de “um”, os paroquianos considerarão que nada vai bem na Igreja…
Isto significa que a sinodalidade já está em vigor?
Nem todas as Igrejas locais estão no mesmo ponto, e as histórias não são as mesmas em todos os países. Por muito tempo, a Igreja em França esteve numa dinâmica de corresponsabilidade entre sacerdotes e leigos. Isto não nos impede de refletir sobre isso: é uma oportunidade para avaliar as nossas práticas. Onde está a correr bem, já implementamos algo daquilo a que o Papa aspira.
Será possível deixá-la para uma pessoa, o Papa, o Bispo ou o Pároco?
Quando “uma pessoa” toma a decisão, essa pessoa assume a sua responsabilidade, ou seja, a pessoa deve prestar contas, possivelmente com processos de avaliação. Leciono numa Universidade e, a cada dois anos, sou avaliado pelo diretor, que também é avaliado pelo reitor, e assim por diante. Como professor, sou avaliado pelos alunos. Mas hoje não existe uma cultura de avaliação na Igreja e no clero. O outro ponto é a transparência. As decisões são tomadas de forma clara e pública?
Como podem os ministros recém-instituídos – catequistas, leitores e acólitos – participar nesta sinodalidade?
Há duas maneiras de abordar esses novos ministérios: alguns sublinharão que constituem uma expressão da responsabilidade batismal, outros dirão que é uma forma de clericalizar os leigos… O catequista poderá participar no anúncio do Evangelho nos países onde o cristianismo há muito se estabeleceu. Em África, o catequista é responsável por uma comunidade, o que poderia acontecer também no Ocidente, em regiões carentes de sacerdotes. Os leigos que representam a Igreja são então nomeados e têm uma responsabilidade pastoral, ainda que, mais uma vez, o “motu proprio” (sobre os novos ministérios) especifique que está sempre sob a autoridade de uma pessoa, o Pároco.
Como vai se concretizar a sinodalidade ao nível paroquial?
Os aspetos materiais são os primeiros a serem tratados com a intervenção dos conselhos financeiros, que são obrigatórios numa paróquia, enquanto o conselho pastoral não está no direito canónico, o que é paradoxal. A liturgia é uma área difícil e muito sensível. Na minha opinião, estas são antes de tudo questões de bom senso: acredito na reforma das instituições, mas o que conta é a conversão das pessoas.
Nos últimos anos, houve muitos Sínodos Diocesanos: o que resta deles?
Os sínodos diocesanos são uma manifestação da sinodalidade. Precisamos de olhar para os resultados que podem ser extraídos deles, que hoje talvez estejam um pouco desiludidos. No entanto, o Sínodo é uma jornada: a experiência sinodal em si traz algo para os participantes. Talvez alguns Sínodos tenham sido ainda um pouco direcionados, não tanto durante a reflexão como na palavra final. É verdade que as leis sinodais são as leis do Bispo e não da assembleia. Neste processo, há uma questão em torno da autoridade, denunciada em todos os sectores.
Como podemos definir hoje a autoridade na Igreja?
A autoridade é o que nos permite vivermos juntos, para não nos separarmos. Dependendo do tempo e do lugar, esses procedimentos tendem a evoluir. Não acho que os católicos tenham tendências anarquistas, mas há atualmente uma atitude frequente de “concordo com a autoridade quando ela concorda comigo”. Qual é a legitimidade da autoridade hoje? O título de Capelão ou Pároco, como tal, já não é suficiente. A pessoa em posição de autoridade tem que provar a si mesma. É muito mais exigente. É um “eu” que decide. Como tal, essa pessoa deve estar pronta para arcar com as consequências da decisão.
(Entrevista de Christophe Henning, publicada no La Croix International a 19 de Fevereiro de 2022 divulgada pelo Departamento de Comunicação Social da Arquidiocese de Braga)